Aumenta o número de plásticas em tempo de isolamento social

Vinicius Lobato
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Fechada em casa, passando dias sem ver os colegas de trabalho, eventualmente participando de uma videoconferência em que todo mundo aparece com a cara esquisita — ela inclusive —, olhando no espelho antes de atender à porta e percebendo marcas que a bendita máscara põe em destaque, o que vem à cabeça de uma mulher cumprindo quarentena? Aproveitar que ninguém está vendo e corrigir as imperfeições, oras. Nos quatro ou cinco meses em que a maioria evitou pôr os pés na rua, as clínicas dermatológicas e os hospitais fora do circuito de atendimento de pacientes com Covid-19 permaneceram ativos e operantes, recebendo pacientes que viram no isolamento social as condições ideais para um discreto estica e puxa. “Depois de passar por um período de angústia, solidão e medo, é normal que a humanidade, ao vislumbrar a esperança de controle da epidemia, sinta uma renovada vontade de se embelezar para voltar à vida de antes”, teoriza o cirurgião plástico Volney Pitombo.

Com o rosto em evidência no monitor, na tela do celular e nas áreas ressaltadas em volta da máscara, a maior procura (tanto de mulheres quanto de homens, aliás) tem sido por procedimentos nessa região — o consenso é de um aumento de 30% nesse tipo de intervenção entre março e agosto, sendo que em alguns pontos, como as pálpebras, a demanda pela cirurgia de remoção do excesso de pele subiu 50%. Nariz e orelhas também entraram no radar dos quarentenados desgostosos com a aparência. “Eu me incomodava quando me via em fotos e vídeos no celular. Evitava sorrir e ficava de lado para a câmera. Estava com a autoestima abalada”, relata o engenheiro Arnon Vichy, 27 anos, que criou coragem e se submeteu a uma plástica no nariz no fim de julho, tendo o cuidado de manter a máscara à mão para, se necessário, esconder os hematomas que vieram no pós-operatório.

Quem tinha alguma intervenção estética planejada mais para a frente também fez uso do home office — e até do dinheiro que sobrou de alguma viagem não realizada — para antecipar a programação. Depois de emagrecer em consequência da cirurgia bariátrica, a assistente administrativa Ana Carolina Ferreira, de 21 anos, havia marcado a colocação de próteses de mama para as férias do ano que vem. Veio a quarentena e ela acabou entrando na faca em julho. “Em casa, eu me sentia refém da minha própria companhia e comecei a ver um monte de defeitos em mim. Então, remarquei, fiquei feliz e pude ter uma recuperação tranquila”, diz.

Ganharam igualmente adeptos, no período de confinamento, as aplicações de Botox, os preenchimentos artificiais, a aspiração de gordura nas bochechas e a atenuação de olheiras. “Nota-se uma preocupação muito grande com a área ao redor dos olhos. Nas reuniões por videoconferência, as pessoas ficam se criticando o tempo todo”, explica o cirurgião plástico André Maranhão, que aponta ainda para um aumento no número de lipoaspirações — até porque o repouso obrigatório na recuperação fica bem mais fácil quando se trabalha de casa (veja o quadro). Incomodada com as marcas da idade, a empresária Márcia Reis, 54 anos, consultou uma especialista em harmonização facial e, em seguida, submeteu-se a aplicação de Botox e aspiração da papada e das bochechas. Acabou influenciando a filha, a publicitária Paula Reis, 28, que voltou para casa com os lábios e o queixo reformatados por preenchedores. “Nunca tinha feito nada, mas comecei a me sentir mais bonita usando os filtros do Instagram que me davam uma boca maior. Como estava em casa desde maio, sem emprego, com tranquilidade para me recuperar, resolvi experimentar”, explica Paula.

Dona de uma movimentada clínica dermatológica em São Paulo, que não fechou durante a quarentena, a médica Ligia Kogos conta que recebeu muita gente incomodada com a aparência em lives. “A maioria saiu do meu consultório com receita de ring light”, brinca, referindo-se ao equipamento que melhora a iluminação e, consequentemente, as feições das pessoas nas transmissões on-line. Ligia diz que o movimento diminuiu na pandemia, mas cresceu a opção por tratamentos mais demorados, e que atendeu a muitas emergências por problemas de stress e alergias, sobretudo ao álcool em gel. Quem continuou a atender nos meses de isolamento social reforçou o investimento em testes, máscaras, higienização e altas antecipadas. “Só opero em hospitais que não têm pacientes de Covid-19, o que traz conforto a quem vai se submeter a cirurgia plástica”, diz o médico Regis Ramos. As cirurgias eletivas em hospitais públicos e particulares estão liberadas desde 9 de junho, em São Paulo, e 16 de junho, no Rio de Janeiro. E, pelo jeito, não faltam pacientes dispostos a encarar agulhadas e até o bisturi para fazer bonito no mundo pós-pandemia.

Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704

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