Livro revela perrengues e bastidores da criação de Nubank, iFood, 99 e outras start-ups brasileiras que valem US$ 1 bilhão

Vinicius Lobato
8 Min Read

Para quem passa em frente ao suntuoso e moderno prédio do Nubank, na avenida Rebouças, em São Paulo, é difícil imaginar que há menos de sete anos os executivos estavam discutindo pelo custo da instalação de um ar-condicionado às vésperas de um dos verões mais quentes da história — um deles argumentava que era um gasto desnecessário, apesar do ambiente sufocante no sobrado de três quartos que acomodava os trinta e poucos funcionários na primeira sede da fintech. Quem cruza com os milhares de entregadores carregando as caixas vermelhas do iFood também pode não pensar que, no início dos anos 2000, o futuro CEO do app também penou em cima de uma motocicleta, entregando pizzas e sendo xingado por clientes impacientes. E que horas antes da chuva de papel picado que caia em meios aos abraços e comemorações da estreia da empresa de maquinhas de cartão Stone na Nasdaq, os executivos passaram momentos de terror em um voo turbulento, e ainda precisaram lidar com um hacker que chantageava vazar dados de clientes.

Estas e outras histórias de perrengue, superação e muito aprendizado estão compiladas no livro “Da Ideia ao Bilhão”, lançado nesta semana pelo jornalista Daniel Bergamasco, que conta os bastidores da fundação dos dez primeiros unicórnios brasileiros — como são classificadas as start-ups que ultrapassam a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado. Start-ups são “empresas iniciantes com um modelo de negócio repetível e escalável por meio da tecnologia”, define o autor, enquanto a comparação com os animais fantasiosos “vem do fato de serem tão raras a ponto de se tornarem lendas e inspirarem os sonhos dos empreendedores iniciantes que almejam, um dia, chegar lá”, afirma. Além das empresas já citadas acima, o livro apresenta a trajetória do app de mobilidade 99, do grupo de ensino Arco Educação, da plataforma de academias Gympass, do site de aluguel e compra de imóveis QuintoAndar, da rede de entregas Loggi, da holding de aplicativos Movile e da fintech Ebanx.

Os capítulos, que mesclam história dos fundadores, concepção dos negócios, além de dicas e reflexões, foram escritos a partir de entrevistas com quase uma centena de envolvidos, desde os fundadores até clientes, analistas e investidores. Logo nas primeiras linhas, o autor descreve o ambiente colorido, com piscina de bolinhas, andares com “open bar” de paçoquinhas, bebedouros de onde jorram whey protein, paredes grafitadas e jovens colaboradores com tatuagens e cabelos coloridos. A proposta do texto, no entanto, é ir além dessa caricatura baseada em empresas moderninhas do Vale do Silício. Mais do que discorrer sobre a biografia dos envolvidos, “Da Ideia ao Bilhão” traz uma seleção de fracassos e frustrações, e mostra como os empreendedores precisaram ir contra inúmeras adversidades — desde dificuldades em apresentar as ideias até críticas de amigos e familiares —, e se manter convictos no potencial do seu negócio para ir além.

Os primeiros capítulos são reservados aos processos de tentativas e erros que formaram a base do QuintoAndar — que inicialmente se chamava projeto Dorothy, em alusão à protagonista do “Mágico de Oz”. Animados com o negócio que idealizaram enquanto cursavam um MBA na universidade Stanford, na Califórnia, os mineiros Gabriel Braga e Andre Penha levaram caldo atrás de caldo enquanto tentavam convencer investidores e dar os primeiros passos no site que revolucionou o mercado imobiliário. Na mesma linha, os fundadores da Movile, holding que reúne dezenas de aplicativos, de diversos segmentos, falharam muito até engrenar os primeiros sucessos, que desembocaria na aquisição do iFood e na criação do PlayKids. O livro também expõe a importância da resiliência de quem aposta no próprio negócio. A Gympass, hoje reconhecida pela parceria com multinacionais dentro e fora do Brasil, ficou muito próxima de morrer na praia antes de mudar o seu foco de atuação.

O texto de Bergamasco também passa pelas improváveis maneiras de formar sociedades que se transformaram em negócios bilionários. Seja nos três perfis conflituosos que formam a fintech curitibana Ebanx, até no encontro pouco ortodoxo que selou a fundação da plataformas de entrega Loggi. “E agora, o que a gente faz?”, perguntou o francês Fabien Mendez, após apresentar a sua ideia ao futuro parceiro Arthur Debert. “Agora a gente vai para um bar, enche a cara de cachaça, come linguiça e vê se no final da noite a gente se atura. É um casamento, se a gente não gostar de conversar um com o outro, não tem como ir pra frente”, respondeu o outro.

Livro foi escrito no último ano, com quase em uma centena de entrevistas com empresários, investidores e funcionários; Foto: Divulgação/Cia das Letras

Apesar de estarem inseridas em ambientes modernos e associada ao público jovem, problemas inerentes de companhias tradicionais também se mostram presentes entre as start-ups. A falta de representatividade é evidente, visto que dos dez unicórnios, apenas dois possuem mulheres na fundação: o Nubank, representado por Cristina Junqueira, e a Movile, com Monique Oliveira. Em questão de raça, a situação é ainda mais grave: nenhuma das primeiras start-ups bilionárias do país conta com pessoas negras no projeto original. O preconceito é outra situação que se replica, tanto dentro como fora do Brasil. Enquanto a plataforma cearense de educação Arco Educação foi comparada a um jegue por um concorrente insatisfeito por ter perdido um cliente, os executivos da Gympass precisaram ouvir de estrangeiros “quem vocês estão copiando?”, diante do espanto deles que uma ideia tão revolucionária havia sido desenvolvida por brasileiros. As últimas linhas do livro foram escritas em julho deste ano, quatro meses depois do início do surto do novo coronavírus no país. De forma breve, o livro apresenta os impactos do “novo normal” nos negócios, e as estratégias dos empreendedores para manter empregos e atividades em meio à pandemia.

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