Covid-19 na Europa: não é a segunda onda

Vinicius Lobato
Por Vinicius Lobato
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Quase oito meses se passaram desde que o primeiro caso de contágio pelo novo coronavírus foi detectado na Europa, no fim de janeiro, importado da China para a Bavária. Superada a fase mais dramática de contaminação e mortes, que impulsionou um isolamento em massa das famílias em suas casas como o mundo nunca viu, o continente que virou espelho da pandemia para o mundo ocidental obser­va agora uma moderada, mas ainda preocupante, retomada na curva de infectados pela Covid-19. Na segunda semana de setembro, os países europeus em bloco registraram 41 000 novos casos diários, 12% mais do que na pior semana de abril. No fim do mês, a França contabilizou seu recorde de novas infecções em 24 horas, levando o governo a temporariamente fechar bares e cafés, limitar o movimento nas lojas e estimular o home office. Estatísticas semelhantes elevaram o alerta no Reino Unido, Espanha, Holanda e Bélgica, igualmente afetados pela reimposição de quarentenas nas áreas de maior incidência.

Especialistas, porém, não configuram esse conjunto de ocorrências como uma segunda onda, considerando que sua extensão e potencial de estrago não se equiparam à violência do princípio. “O que temos agora são surtos localizados que podem ser contidos com base no conhecimento já acumulado sobre a doença”, diz David Heymann, epidemiologista e ex-diretor executivo do Grupo de Doenças Transmissíveis da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além de os contágios não se espalharem por toda parte como nos primeiros meses, a Europa exibe índices de lotação de hospitais e de mortalidade pelo vírus muito menores. No pico da epidemia europeia, a média diária de óbitos girava em torno de 2 130 — agora está em 185. Na Espanha, onde o número de mortes por 100 000 habitantes ainda se encontra quase 2 pontos porcentuais acima do restante da Europa, a taxa hoje representa 11% dos trágicos dados de abril. Em Paris, as unidades de terapia intensiva se esvaziaram: foram 74 internações desde 16 de julho, contra mais de 200 por dia no primeiro semestre. A queda nas taxas de mortalidade reflete vários fatores que se afunilam em uma conquista da ciência: a Covid-19 deixou de ser um mistério.

A medicina conhece melhor o novo coronavírus e aplica esse avanço nos tratamentos hospitalares — pacientes virados de bruços, por exemplo, conseguem receber mais oxigênio nos pulmões. Medicamentos existentes, como o antiviral Remdesivir, e terapias experimentais, como a dexametasona — ambos aplicados no presidente americano Donald Trump (veja reportagem na pág. 58) —, provaram fazer efeito nos casos mais graves. Também ficou comprovada a importância de combater o vírus logo cedo, o que levou a comunidade médica a rever protocolos e recomendar a busca por socorro assim que os primeiros sintomas forem identificados. Conta ainda o fato de os mais vulneráveis, principalmente idosos, seguirem rigidamente o isolamento social. Nos últimos meses, os alvos principais do vírus têm sido os jovens entre 20 e 39 anos, resistentes à doença.

BASTA - Protesto contra restrições: a OMS alerta para a “fadiga pandêmica” –Marcos del Mazo/Getty Images

O aumento da testagem, em comparação com a subnotificação do início da pandemia, é mais um fator de peso na virada para cima da curva de contágio na Europa. A Alemanha, desde o início referência em controle da pandemia, pulou de 20 000 para 150 000 testes por dia, em média. A França e a Espanha foram de 40 000 para 145 000 e 90 000, respectivamente. “Acreditamos que, no início, o total de casos era até quinze vezes maior do que o documentado e a taxa de mortalidade calculada não era real. Agora, com mais testes disponíveis nas ruas, farmácias e escolas, a proporção de óbitos está diminuindo”, diz o brasileiro Pércio de Souza, engenheiro e presidente do Instituto Estáter, que vem compilando dados e análises sobre a pandemia desde o marco zero.

A forma como a Europa tem lidado com a subida recente nos números de contágio tem sido implantar quarentenas menos radicais e mais concentradas na área de risco — até porque os europeus não estão dispostos a encarar um novo isolamento drástico. As ruas de Paris, Berlim, Londres e outras cidades lotaram de pessoas nos últimos dias protestando contra o fechamento de bares e lojas e, no caso do nordeste britânico, contra um lockdown quase total — evidência de um fenômeno que a Organização Mundial da Saúde batizou de “fadiga pandêmica”. “Os países conseguem rastrear com mais eficácia os casos e possíveis contatos, limitando os bloqueios a áreas e comunidades em que há um real perigo de surto”, explica Heymann. A abordagem se aproxima da que foi aplicada na Suécia, muito criticada ao optar por manter lojas e restaurantes abertos e não interromper o ano escolar. O distanciamento social e as máscaras lá nunca foram obrigatórios, apenas recomendados em locais de maior contágio. O número de mortos per capita chegou a ser o mais alto do mundo em maio, mas as taxas caíram lentamente desde então. “O isolamento radical provou ser eficiente para atrasar a curva pandêmica e ajudar o sistema de saúde a se preparar para o combate ao vírus. Mas ele não vai livrar os países da doença”, ressalta Souza. O novo coronavírus continua presente, mas, felizmente, já se sabe mais como lidar com ele e freá-lo. Ainda bem.

Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708

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