Caso seja aprovada em segundo turno pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a flexibilização para desvincular recursos da saúde até então carimbados dará fôlego aos municípios.
De acordo com análise preliminar do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas (Cosems-MG), os recursos carimbados represados podem chegar a R$ 800 milhões.
A proposta está pronta para ser votada definitivamente em plenário após ser aprovada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária na última quinta-feira.
Encabeçado pelo presidente da ALMG, Tadeu Martins Leite (MDB), o Projeto de Lei Complementar (PLC) 18/2023 autorizaria as prefeituras a utilizar, até o fim de 2023, saldos remanescentes oriundos de convênios firmados com o Estado e de repasses constitucionais aos fundos municipais para gastar com demandas diferentes das originais.
“O Estado manda (os recursos), por exemplo, para fazer uma farmácia. Só que eu não estou precisando de farmácia ou já fiz a farmácia. Hoje, não tem como ‘descarimbar’ (usar a verba para outra coisa)”, explica a prefeita de Contagem, Marília Campos (PT).
Marília detalha que, hoje, Contagem tem R$ 124 milhões retidos no Fundo Municipal de Saúde. “Estive por várias vezes com o secretário de Saúde, Fábio Baccheretti, fazendo várias negociações”, aponta a prefeita. “O que ele já conseguiu alterar através de decreto diz respeito aos recursos daqui pra frente. Agora, o pra trás, que são resoluções de outros anos, pode ser modificado apenas através de projetos de lei. Por isso, a gente reivindica a flexibilização”, reitera.
O prefeito de Peçanha, no Rio Doce, Fabrício Alvarenga (PSB), diz que os prefeitos lutam há muito tempo pela flexibilização. “É isso o que os prefeitos querem, ter uma liberdade para poder gastar esses recursos. Vamos supor que Peçanha tenha R$ 200 mil (represados). Vou poder gastar esses recursos naquilo que atualmente preciso e não nas situações lá de trás. O mandato era outro, o momento era outro, entendeu?”, ressalta o prefeito, que não soube detalhar qual o volume de recursos represados nos cofres de Peçanha.
Já o prefeito de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, Daniel Sucupira (PT), observa que, especialmente para as cidades-polo em saúde, os recursos virão em boa hora caso o texto seja aprovado.
“Para se ter uma ideia, as cidades-pólo de Minas, além de atender as próprias populações, atendem as populações do seu entorno. A cidade de Teófilo Otoni, por exemplo, tem 150 mil habitantes e atende um contingente de 1 milhão de pessoas da macrorregional Nordeste”, exemplifica o presidente da Frente Mineira de Prefeitos (FMP).
O presidente do Cosems-MG, Eduardo Luiz da Silva, alerta para a urgência em aprovar o PLC 18/2023, já que parte dos recursos represados pode voltar aos cofres do Estado.
“Tem recurso que o município tem 24 meses para utilizar, e tem outros com um tempo maior, mas ele precisa prestar contas daquelas que estão vencendo. Se o município não utilizou o recurso e ele ainda está no fundo municipal, necessariamente volta para o Fundo Estadual de Saúde”, salienta Eduardo, também secretário de Saúde de Taiobeiras, no Norte de Minas.
Parte de montante é oriunda de acordo assinado pelo Estado
O presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas (Cosems-MG), Eduardo Luiz da Silva, argumenta que parte dos R$ 800 milhões é oriunda dos cerca de R$ 7 bilhões de repasses constitucionais retidos pelo Estado de Minas Gerais entre 2009 e 2020.
“Por isso, os valores podem superar R$ 800 milhões, porque o governo estadual continua pagando o acordo”, pondera. Celebrado ainda em 2021, o pacto é de 98 parcelas. Só que, embora o montante tenha sido renegociado, os recursos permaneceram vinculados às antigas demandas das prefeituras.
Logo, explica o presidente do Cosems-MG, o objeto dos repasses se perdeu. “Estamos falando de um acordo que compreendeu (repasses constitucionais) entre 2009 e 2020. Os municípios já executaram muitas dessas ações. Então, a necessidade de se liberar o uso dos saldos remanescentes é fundamental para que esses recursos se revertam novamente em ações de serviços de saúde”, reforça Silva.
O prefeito de Teófilo Otoni, Daniel Sucupira (PT), observa que, à época da celebração do acordo, os prefeitos já queriam que os recursos fossem desvinculados ao serem repassados pelo Estado aos municípios. “O problema é que o governo deu com uma mão e retirou com a outra, ou seja, negociou a dívida em parcelas, mas não deu autonomia aos prefeitos para utilizar os recursos naquilo que são as necessidades reais dos municípios”, critica.
A prefeita de Contagem, Marília Campos (PT), aponta que, justamente em razão da renegociação dos recursos retidos, os cofres das prefeituras acumulam dinheiro da saúde carimbado. “Então, todos os municípios que têm Fundo Municipal de Saúde e que o Estado está pagando os repasses atrasados e os atuais têm retidos os recursos no fundo”, aponta a prefeita de Contagem.
O TEMPO questionou o governo de Minas Gerais sobre qual o volume de recursos públicos oriundos de convênios entre o Estado e os municípios e de repasses aos fundos municipais que estão represados. Em nota, o Palácio Tiradentes apenas afirmou que não comenta a tramitação de projetos de lei. “E respeita a autonomia do Poder Legislativo para discutir temas de interesse público”.
Uso de capital para custeio e investimentos
De acordo com o prefeito de Peçanha, Fabrício Alvarenga (PSB), se desvinculados, os recursos do município serão investidos no custeio dos dez leitos de terapia intensiva da cidade, cuja população, de acordo com a estimativa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 17.534 habitantes. “É uma situação que até tenho lutado junto ao Estado para que ajude a custear com valores melhores os leitos de CTI que a gente tem”, exemplifica o prefeito.
Já Marília Campos detalha que, em Contagem, os recursos seriam utilizados para investimento, não custeio. “Queremos reformar as nossas unidades de saúde, tanto da atenção básica quanto do complexo hospitalar de urgência e emergência, e comprar equipamentos hospitalares para as UPAs e insumos”, conta a prefeita.
A prioridade de Teófilo Otoni, que, segundo Daniel Sucupira, tem, aproximadamente, R$ 50 milhões represados, será o enfrentamento ao câncer. “Além disso, vamos zerar a fila de pessoas que aguardam cirurgias eletivas do nosso município e fortalecer a saúde bucal”, acrescenta o prefeito.
Caso seja aprovado, o PLC 18/2023 permitirá também que as prefeituras gastem os saldos remanescentes de parcerias que tenham vencido até a publicação da lei, ou, então, que venham a vencer até 31 de dezembro. Os municípios que usarem os recursos represados deverão prestar contas no relatório anual de gestão.