Volta de Lula à Presidência da República é vista por entidades com um ponto de virada para a educação.
Antes mesmo de tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já sabia que o governo de destruição de Jair Bolsonaro (PL) havia sabotado o 2º PNE (Plano Nacional de Educação. Na campanha eleitoral de 2022, a plataforma da campanha de Lula ao Planalto sinalizava a importância de retomar políticas públicas educacionais.
“A educação é investimento essencial para fazer do Brasil um país desenvolvido, independente e igualitário, mais criativo e feliz”, dizia o texto das Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil. “O País voltará a investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação (…), retomando as metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do atual governo.”
Com a vitória de Lula e a instalação do Gabinete de Transição, o diagnóstico sobre a realidade do PNE sob Bolsonaro foi o pior possível. “Há um desprezo e um desmonte muito grande das políticas que estavam previstas no Plano Nacional de Educação”, afirmava em dezembro Teresa Leitão, coordenadora do Grupo Técnico (GT) de Educação na transição.
Ao assumir o Ministério da Educação (MEC), Camilo Santana também destacou a missão de reconstruir o PNE. Segundo o novo ministro, a Educação foi “violentamente negligenciada” ao longo da gestão bolsonarista. “Mais 650 mil crianças de até 5 anos de idade abandonaram a escola nos últimos três anos. No mesmo período, cresceu 66% o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler nem escrever na idade certa”, declarou Camilo em seu discurso de posse.
Números e estatísticas são relevantes porque, além das diretrizes, o PNE está assentado em 20 metas, a serem cumpridas até 2024, quando se encerra sua vigência. A versão atual do Plano foi instituída com a Lei 13.005/2014, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff.
Uma das metas mais audaciosas, a 20, era “ampliar o investimento em educação pública” para ao menos 7% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2019 e 10% em 2024. O PNE previa universalizar até 2016 o acesso à educação infantil (4 e 5 anos) e ao ensino fundamental (6 a 14 anos), além de erradicar o “analfabetismo absoluto”. A Meta 6 estipulava educação em tempo integral “em no mínimo 50% das escolas públicas, de forma a atender pelo menos 25% dos alunos da educação básica”.
O ensino superior não foi esquecido. O PNE incorporou o desafio de ampliar para 75% a proporção de mestres e doutores do corpo docente das universidades, sendo pelo menos 35% de doutores. Ao fim de dez anos, a pós-graduação stricto sensu teria 60 mil títulos/ano no mestrado e 25 mil/ano no doutorado.
Nesta batalha pela Educação, é improvável que a maioria dessas metas seja cumprida, conforme indica o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). A cada dois anos, o órgão, ligado ao MEC, tem de apresentar um relatório de monitoramento das metas do PNE. A última parcial aponta um nível médio de execução inferior a 40%. Só a meta de formação de professores do ensino superior foi cumprida.
Na opinião de especialistas, fatores como o Golpe de 2016, o teto de gastos, o bolsonarismo e a pandemia de Covid-19 prejudicaram a execução de todas as metas. O investimento em educação pública, por exemplo, não passa hoje de 5,1%. Enquanto uma histórica lei do governo Dilma destinava 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, as gestões de Temer e Bolsonaro atacaram sistematicamente o orçamento do setor. Houve uma inversão de prioridades na administração federal.
Outras leis que incidem sobre a Educação foram igualmente negligenciadas, apesar dos avanços no papel. De 2022 para 2023, o piso nacional do magistério saltou 15%, passando de R$ 3.845,63 para R$ 4.420,55. A lei deve valer para todos os professores com jornada de 40 horas semanais na educação básica – são 2 milhões de docentes apenas no ensino público.
Da mesma maneira, em 2022 o STF (Supremo Tribunal Federal) ratificou um direito estabelecido na Constituição de 1988 e decidiu que é dever do Estado assegurar vagas na educação infantil (creches ou pré-escolas) a todas as crianças de até 5 anos. A rigor, conforme o artigo 208 da Carta Magna, o Poder Público responde pela “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”.
Nos dois casos – o do piso dos professores e o do direito à educação infantil –, a União pouco se mexeu e não incrementou o repasse a estados e municípios. Só na educação infantil, o déficit atual é de mais de 8 milhões de vagas.
A volta de Lula à Presidência da República é vista com um ponto de virada para a educação. Caberá ao novo governo vencer o atraso, reelaborar as metas e apresentar, no ano que vem, o 3º PNE (2025-2034). Entidades como a Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino) apontam a oportunidade de avançar na direção de uma educação pública e gratuita, com qualidade e caráter científico, crítico e laico. A entidade representa professores e trabalhadores da educação privada.
“A reconstrução da educação brasileira passará por um conjunto de ações estruturantes e estruturadas”, diz Gilson Reis, coordenador-geral da Contee. Entre essas ações, ele cita a “consolidação de todas as metas e estratégias do PNE”, para colocá-lo efetivamente em prática. “Reconstruir a educação brasileira dependerá de um investimento político e econômico incomensurável, de enfrentamentos políticos e ideológicos contra o fascismo, o mercado e o conservadorismo presente na escola”, afirma Gilson.
Passados oitos anos do PNE, professores e demais trabalhadores da rede pública de ensino (municipal, estadual e federal) chamam a atenção para o investimento ainda baixo na Educação. Representante máxima da categoria, a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) defende que a meta 20 é uma espécie de mãe de todas as metas.
Para alcançá-la, porém, é indispensável revocar a Emenda Constitucional (EC) 95, que impôs um nefasto teto de gastos, por 20 anos, para áreas sociais. A opinião é de Heleno Araújo, presidente da CNTE. “Não há futuro possível com a Emenda 95”, resume Heleno. O fim da PEC 32 – que promove uma reforma administrativa conservadora no setor público – é outra reivindicação da entidade.
Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, defende o “cumprimento integral” do PNE atual – mas já cobra a “construção com ampla participação social de um novo Plano”. Em artigo recente, ela reivindicou mais “incentivo à constituição de Fóruns Permanentes de Educação”. Entre outras tarefas, esses fóruns têm a missão de “coordenar as conferências nacional, municipais, estaduais e distrital bem como efetuar o acompanhamento da execução do PNE e dos planos de educação locais”.